E eu olhei, e eis que no meio do trono, e dos quatro animais, e no meio dos anciãos, um Cordeiro que estava como se tivesse sido morto, e tinha sete chifres, e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados para toda a terra.
Comentário de Plummer, Randell e Bott
E eu olhei. Mais uma vez, um novo elemento da visão é introduzido (ver Apocalipse 5:1). E eis que, no meio do trono e dos quatro seres viventes, e no meio dos anciãos. Para a descrição da posição do trono, dos seres viventes e dos anciãos, ver Apocalipse 4:6. A passagem poderia ser traduzida de forma mais clara como: “Entre o trono e os quatro seres viventes de um lado, e os anciãos do outro, estava…” A repetição de “no meio” é um hebraísmo (cf. Gênesis 1:4, 1:6, 1:7 na Septuaginta). Assim, o Cordeiro ocupa uma posição central, visível a todos.
Cordeiro. A palavra grega utilizada aqui, ἀρνίον, e que aparece constantemente no Apocalipse, ocorre em outro lugar do Novo Testamento apenas em João 21:15. O Cordeiro de João 1:29 é ἀμνός. Essa diferença tem sido usada como argumento de que o autor do Evangelho não seria o mesmo do Apocalipse, já que o título de Jesus utiliza termos distintos. No entanto, João 1:29 é uma citação de Isaías, e o autor segue naturalmente a forma encontrada na versão grega da passagem. Já em outras ocasiões, quando livre para usar sua própria linguagem, como em João 21:15 e no Apocalipse, ele usa invariavelmente o termo ἀρνίον. Alguns sugerem que o uso de ἀρνίον, originalmente um diminutivo de ἀμνός, faz referência à humildade e mansidão do Senhor, e veem contraste no poder simbolizado pelos sete chifres. No entanto, por mais que essas interpretações sejam sugestivas, elas não têm base na gramática da palavra, pois, embora ἀρνίον tenha sido um diminutivo originalmente, já havia perdido esse sentido no tempo de João, a ponto de vários casos gramaticais terem sido formados de ambas as palavras.
como se tivesse sido morto. Aqui nos deparamos com o que Stuart chama de “dificuldade estética”. Como o Cordeiro, estando vivo, em pé e ativo, poderia apresentar qualquer aparência que levasse João a entender que ele havia sido morto? Da mesma forma, nos versículos seguintes, como o Cordeiro poderia tomar o livro, ou os quatro seres viventes segurarem harpas e taças, ou os anciãos tocarem harpas enquanto seguram taças? Em primeiro lugar, essa questão é irrelevante. João não está relatando fatos históricos ocorridos no mundo material e sensível, mas está reproduzindo ideias que lhe foram transmitidas de alguma forma (certamente não pelos sentidos), ideias estas que são simbólicas de eventos no mundo natural e espiritual, bem como da condição de pessoas ou grupos. Assim, se pudermos entender o que essas imagens mentais pretendem nos transmitir, não importa de que maneira foram percebidas. Em segundo lugar, é preciso lembrar que tudo se trata de uma visão. Embora João diga “eu vi”, na realidade nenhuma das impressões mentais que ele recebeu foi transmitida pelos sentidos. Assim como alguém que relata um sonho diz “eu vi”, mesmo tendo os olhos fechados e os sentidos adormecidos, da mesma forma o autor diz “eu vi”; e assim como num sonho recebemos ideias claras sobre um objeto sem saber como sabemos, e mesmo quando certas características pareçam contraditórias, ainda assim nenhuma incongruência nos ocorre, João percebeu que esses objetos possuíam qualidades que, no mundo sensível, seriam impossíveis.
tinha sete chifres. Na Bíblia, o chifre é símbolo de poder. Moisés abençoou a tribo de José com as palavras: “Seus chifres são como os de um boi selvagem; com eles empurrará os povos até as extremidades da terra” (Deuteronômio 33:17). Ana cantou: “O meu chifre foi exaltado” (1Samuel 2:1). O número sete denota perfeição (ver Apocalipse 1:4; 5:1, etc.). O símbolo, portanto, atribui ao Cordeiro poder completo (cf. Mateus 28:18: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”).
e sete olhos. Os sete olhos simbolizam conhecimento perfeito — onisciência (cf. Zacarias 4:10: “Eles se alegrarão ao ver o prumo na mão de Zorobabel… são os olhos do Senhor, que percorrem toda a terra”; e 2Crônicas 16:9: “Porque, quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele”).
que são os sete espíritos de Deus. “Que são” refere-se aos sete olhos (cf. Apocalipse 1:4: “Os sete Espíritos que estão diante do seu trono”; 3:1: “Aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas”; e 4:5: “Sete lâmpadas de fogo… que são os sete Espíritos de Deus”). O Espírito Santo, procedente do Pai e do Filho, com seus dons setuplicados, é simbolizado por essas imagens de iluminação. Pois ele ilumina os que nele habitam, tornando mais claros para eles os assuntos espirituais, e os capacita a compreender melhor a multiforme sabedoria de Deus.
enviados para toda a terra. Isto é, os sete Espíritos são enviados (ἀπεσταλμένα; embora, como πνεύματα, “os espíritos”, também são ὀφθαλμοί, “os olhos”, o manuscrito A traz ἀπεσταλμένοι). [Plummer, Randell e Bott, 1909]
<Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.