Apocalipse 4:6

E diante do trono havia um mar de vidro, semelhante ao cristal, e no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, em frente e atrás.

Comentário de Plummer, Randell e Bott

E diante do trono havia um mar de vidro, semelhante ao cristal. A qualidade de “vítreo” pode se referir à aparência pura do mar; ou pode significar que o mar tinha uma consistência semelhante ao vidro — ou seja, sólida e inflexível — de modo que não era estranho o fato de sustentar pesos. Em qualquer dos casos, a ideia é reforçada por paralelismo na cláusula seguinte: “semelhante ao cristal.” Mas o mar vítreo pode significar uma “bacia de vidro” e não fazer referência ao que normalmente chamamos de mar. O lavatório de bronze é descrito (1Reis 7:23) como um “mar fundido.” João pode, portanto, estar dizendo que diante do trono de Deus havia um lavatório do mais puro material, assim como o lavatório de bronze estava diante do templo. Uma dificuldade se apresenta aqui: não haveria utilidade para um lavatório no céu, onde tudo é puro, o que torna a figura um tanto incongruente. Mas, como ele se encontrava diante do trono, por onde todos que se aproximassem teriam que passar, pode simbolizar adequadamente as águas do batismo, pelas quais todos os cristãos passam; e essa figura teria sido naturalmente sugerida a João pelo mobiliário do templo, ao qual ele frequentemente alude.

e no meio do trono, e ao redor do trono. Isso pode significar: (1) que, sendo o trono retangular, os quatro seres viventes estavam no centro de cada lado do paralelogramo; ou (2) que um estava à frente do trono, os outros três formavam um semicírculo ao seu redor — um diretamente atrás, e dois nas extremidades.

quatro seres viventes (ζῷα). O “ser vivente” (θηρίον) de Apocalipse 6:7, 11:7, etc., não deve ser confundido com os “seres viventes” deste trecho. A única qualidade expressa pelo termo aqui usado é a posse da vida. A questão do significado exato e da interpretação da visão dos “seres viventes” é complexa, e muito já foi escrito sobre isso. A visão está evidentemente relacionada às aparições descritas em Isaías 6 e Ezequiel 1 e 10, chamados respectivamente de “serafins” e “querubins”.

Nos textos do Antigo Testamento, os querubins e serafins são sempre retratados como assistentes de Deus e executores de seus propósitos e juízos — uma ideia que os judeus podem ter assimilado das concepções de seus vizinhos pagãos. Assim, querubins com espada flamejante são colocados à entrada do Éden (Gênesis 3:24); Yahweh cavalga sobre um querubim (2Samuel 22:11; Salmo 18:10); fala com seu povo do meio dos querubins (Êxodo 25:22); é o Pastor de Israel que habita entre os querubins (Salmo 80:1); o templo de Ezequiel 41:18 é adornado com querubins, como sendo morada de Deus; eles acompanham a glória divina em Ezequiel 1:22-28; e os serafins ocupam posição análoga em Isaías 6:2. Podemos, portanto, inferir que a presença dos “seres viventes” indica uma ordem de seres que atendem a Deus, executam sua vontade e manifestam sua glória. Além disso, o termo usado (ζῷα) e as características de sua aparência naturalmente nos levam a interpretá-los como símbolos da vida. O rosto humano, o boi como representante dos animais domésticos, o leão dos animais selvagens e a águia entre as aves parecem ser tipos representativos das quatro ordens mais evidentes da vida animal. Os movimentos incessantes descritos em Ezequiel 1:8 retratam a mesma ideia. Os quatro seres viventes chamam a atenção para os sofrimentos impostos à criação (Apocalipse 6:8). Os olhos indicam atividade constante. Assim, podemos entender que os seres viventes são simbólicos de toda a criação cumprindo seu papel — servindo a Deus, obedecendo à sua vontade e refletindo sua glória. É digno de nota que o rosto humano, distinto da Igreja (representada pelos vinte e quatro anciãos), indica o poder de Deus de usar, para seus propósitos e glória, aquela parte da humanidade que ainda não foi recebida na Igreja — a parte que constitui “as outras ovelhas que não são deste aprisco” (João 10:16). Esses representantes da vida criada adoram a Deus e declaram (Ezequiel 1:11), como razão para lhe render glória e honra, o fato de que “tu criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas.”

As interpretações a seguir também foram propostas: (1) Os seres viventes representam os quatro Evangelhos. Essa visão é sustentada por muitos autores antigos, embora haja variações ao se atribuir a cada Evangelho o seu correspondente. Victorino considera o homem como símbolo de Mateus, que destaca fortemente a natureza humana do Senhor; o leão régio é associado a Marcos; o boi sacrificial a Lucas; e a águia elevada a João. Entre os que apoiam essa interpretação (com algumas variações na aplicação) estão: Agostinho, Jerônimo, Atanásio, Irineu, Gregório, Ambrósio, André, Primásio, Beda, I. Williams e Wordsworth (para uma exposição completa dessa visão, ver Wordsworth no local citado). (2) Os quatro grandes apóstolos: Pedro, o leão; Tiago, irmão do Senhor, o boi; Mateus, o homem; Paulo, a águia (Grotius). (3) A Igreja do Novo Testamento; assim como a Igreja do Antigo Testamento era representada pelos estandartes ou quatro tribos (ver Números 2:1-34), nos quais essas figuras estavam, segundo a tradição (Mede). (4) As quatro Igrejas patriarcais: o homem, Alexandria, célebre pelo saber; o leão, Jerusalém, “por causa da constância” (Atos 5:29); o boi, Antioquia, como “preparada para obedecer aos mandamentos dos apóstolos”; a águia, Constantinopla, notável por homens “elevados pela contemplação, como Gregório Nazianzeno” (De Lyra e Cornélio a Lapide). (5) As quatro virtudes cardeais (Arethas). (6) Os quatro elementos — uma visão que não difere substancialmente da primeira, considerando a ideia dos antigos de que toda a criação era formada pelos quatro elementos. (7) As quatro forças motivadoras da alma humana: razão, ira, desejo, consciência (Cornélio a Lapide, citando Gregório Nazianzeno). (8) Os doutores da Igreja (Vitringa). (9) Quatro atributos do Senhor: sua humanidade, sua vida sacrificial, sua natureza régia, sua natureza perfeita e espiritual que se eleva acima de todos os homens. (10) As quatro ordens: pastoral, diaconal, doutrinal e contemplativa (Joachim). (11) Os quatro principais anjos (Cornélio a Lapide). (12) Quatro virtudes apostólicas (Alcasar). (13) Os atributos da divindade: sabedoria, poder, onisciência e criação (Renan).

cheios de olhos, em frente e atrás. De Isaías 6:2, 6:3 é tomada a ideia das seis asas, bem como o “Santo, santo, santo”; de Ezequiel 1:5, 1:6 vêm as quatro figuras e quatro rostos; e de Ezequiel 10:12 vem o corpo cheio de olhos. Os olhos representam atividade incessante. Se os quatro seres viventes estavam voltados para o trono, posicionados ao redor dele, João os veria de diferentes ângulos e, assim, observaria tanto a parte da frente quanto a parte de trás. [Plummer, Randell e Bott, 1909]

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Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.